Humanização e Saúde: o que está em primeiro lugar?

Humanização e Saúde: o que está em primeiro lugar?

A relação terapêutica médico-doente perde o seu fundamento interpessoal e empático e passa a assumir-se como uma relação de mera troca de serviços. Os cuidados de saúde prestados são categoriais, em regime de produtividade e pouco ou nada consideram os desejos, expetativas, preocupações, dúvidas, receios, crenças e valores dos indivíduos que os procuram. As relações humanas são frias, objetivas, diretas e distantes, prevalece a impessoalidade, e não há espaço para questionar sobre a futilidade ou não de determinados tratamentos, prolongando-se, muitas vezes, o sofrimento físico do doente, o seu processo de morrer, com grande prejuízo sobre a sua qualidade de vida.

A saúde está centrada na ciência, na técnica e sobretudo na economia, ao invés de se centrar no ser humano, no seu bem-estar e na sua qualidade de vida. Importam mais os custos previstos do que os possíveis benefícios percebidos (ainda que a longo prazo), as respostas rápidas e imediatas e a perceção da contenção de despesas. Este quadro traduz-se num acompanhamento impessoal e fragmentado, na desvalorização do sofrimento humano, na diminuição do tempo de atendimento em consultas e na diminuição da capacidade de resposta às necessidades do individuo. Como consequência, diminui a qualidade dos cuidados prestados e aumenta a insatisfação do beneficiário para com os serviços de saúde.

Nesta realidade a que assistimos, a humanização é uma necessidade básica dos sistemas de saúde que deve surgir de forma emergente e dar resposta ao sofrimento físico e emocional da pessoa de uma forma mais personalizada, cuidadosa e atenta. Só assim é possível acompanhar o desenvolvimento científico a que temos assistido e tornar a abordagem ao doente um cuidado holístico, integrante e de qualidade.

A qualidade da saúde não pode depender apenas da qualidade técnica dos serviços prestados e do profissional que assiste, mas sim também da sua capacidade e qualidade internacional. Esta mudança que se pretende com os cuidados de saúde tem como pilar o profissional de saúde, pois está intrinsecamente correlacionado com o poder da comunicação interpessoal e com a relação médico-doente. A humanização não se cinge apenas à maior atenção e personalização dos cuidados prestados partindo dos avanços médico-científicos nas técnicas de alívio da dor e do restante controlo sintomático. Mais do que isso, a sua base está no ato de comunicar e no estabelecimento de uma relação terapêutica de qualidade, empática, onde o doente se sinta ouvido, protegido, seguro e confiante. O profissional deve procurar, eticamente, a validação do sofrimento físico e emocional, o respeito pela dignidade, privacidade, intimidade e confidencialidade, o resgate da esperança e a otimização das expetativas do individuo com a doença. Desenvolver a sensibilidade de ouvir o doente e a sua família, as suas dúvidas, receios e preocupações, é encontrar com ele, as estratégias compensatórias que facilitam a aceitação e o coping com a doença, tratamentos e limitações daí decorrentes. Estas mudanças de atitudes no sentido de um maior respeito pela dignidade e necessidades do doente, devem ser incutidas aos profissionais de saúde desde os princípios da sua formação. Às universidades, aos locais de estágio/internato médico e aos supervisores de atividade, incumbe-se o incentivo ao treino de habilidades centradas, não só na doença, mas especialmente no doente, não descurando o ensino de estratégias comunicacionais e de estratégias para lidar com os aspetos emocionais da tarefa assistencial.

O doente, alvo primordial deste processo de humanização, tem o direito à saúde, que deve de ser de qualidade e de comum, rápido e fácil acesso. Tem o direito de participar ativamente na decisão terapêutica, de esclarecer as suas dúvidas e de receber informações claras, adequadas e verdadeiras sobre o seu quadro clínico e prognósticos. Humanizar a saúde implica o assumir de uma abordagem descentrada do modelo biomédico e o reconhecimento crescente da necessidade de encarar o doente como um ser biopsicossocial, espiritual e religioso, enquadrando-o numa abordagem comunitária e sistémica. Implica que sejam tomadas atitudes e medidas que, além do tratamento da doença, se centrem na manutenção do bem-estar e da qualidade de vida do doente.

Humanizar a saúde envolve o encarar de todos os aspetos que estão inerentes ao processo do adoecer e assim, acolher quem precisa de ser cuidado, cuidar de quem cuida e procurar, ativamente, o estabelecer de novas parcerias de apoio ao individuo com doença e à sua família. Implica acolher medidas que englobem especificamente o doente, a sua família, a sua equipa de saúde e o ambiente físico onde está a ser tratado, tendo em vista o foco no doente e na qualidade dos serviços que lhe são prestados. É dever do profissional de saúde prestar atenção a todas as necessidades da pessoa doente, o que implica associar sempre a competência técnica e a sensibilidade humana.

Em suma, deve quebrar-se a tendência de deixar que os progressos científicos a que assistimos na medicina e no tratamento da doença e sobreponham ao ato de cuidar e à dignidade da pessoa doente, pois esta deverá estar sempre em primeiro lugar.

 

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