Direito e justiça

Direito e justiça

Se há um perigo, de fato, para o Direito, é que ele se torne justo.

A justiça é uma compreensão pessoal sobre questões concretas e, não uma mera aceitação do que é imposto como justo por outrem. A justiça é subjetiva e, o Direito, necessariamente é objetivo, visando à concretização e manutenção de uma relativa paz social, buscando alcançar a todos, mesmo existindo e persistindo os conflitos, que são inevitáveis e essenciais à dinâmica universal. A intervenção jurídica ameniza o atávico desejo humano de vingança. Mesmo que ele exista, a interveniência do Direito ameniza a potência dos conflitos, em caráter material.

A justiça cabe na cosmovisão, que é subjetiva, mas não essencial e necessariamente no Direito, que é um mero instrumento que reside no mundo sensível e é, necessariamente, objetivo, para que possa ser alcançado por todos, mesmo que compreendido e utilizado de maneiras distintas. A aplicação de uma sanção pode ser justa para alguns e injusta para outros. Justiça é a compreensão de que uma ação gerou ou tem potência para gerar reação suficientemente compensatória em relação aos danos. É uma compreensão absolutamente pessoal. Justiça é a ausência de folgas concomitante à ausência de incomodo com uma justeza, como uma confortável roupa para ginástica. Tal como a roupa, o Direito continuará sendo o mesmo, mas se vai ou não ser confortável, tal como a roupa, depende da constituição corporal de cada pessoa, fazendo alusão a cosmovisão de cada uma.

O Direito possui arraigado em si uma possibilidade de justiça, mas jamais será objetiva, pois é impossível haver justiça em caráter objetivo. Não é o objetivo principal do Direito ser justo, mas sim, ser equilibrador das relações, no que se refere aos conflitos existentes ou potencialmente possíveis. O Direito é preventivo e coercitivo, se tornando regulador das relações e devendo ser cauteloso para não se tornar opressor. Ele interfere nas ações, mas não pode mudar as emoções. Uma pessoa é virtualmente constituída de sujeito interno e de indivíduo interno. O sujeito interno se sujeita as regras e, o indivíduo interno é o que a pessoa de fato compreende e quer ser; é a subjetividade absoluta de cada pessoa. O Direito tem força no sujeito interno, mas não necessariamente no indivíduo interno. Por isso, as convicções, que são de cunho interno, cabem exclusivamente às pessoas, pelas vias de seus indivíduos internos em relativa harmonia com os seus sujeitos internos. Somente uma pessoa pode decidir o que é certo ou errado. Não é o Direito que decide o que é certo ou errado, enquanto somente ideia; enquanto residente dentro do processo mental. Não cabe ao Direito (re)agir em meras ações, manifestações verbais ou em signos que não tenham potencial ofensividade, alterando o mundo sensível de maneira a provocar perigos auaís e/ou iminentes, apenas por interpretações baseadas em sensos justos oriundos de pessoas ou grupos. O Direito deve se manter atento, mas sem intervir no que não é taxativamente tutelado por ele; mo que não é positivado por ele.

O Direito decide sobre ações corretas e incorretas, no que se refere à preservação e manutenção de uma relativa paz social e, não nas convicções do indivíduo interno de cada pessoa. O Direito afeta o sujeito interno, dando a compreensão de causas e efeitos nas ações. O certo e o errado na objetividade jurídica não é uma luta entre o bem e o mal, mas uma persistente tentativa de equilíbrio nas relações humanas, mesmo fazendo parecer, para a grande maioria das pessoas, haver um algo de maniqueísta.

É o indivíduo interno que decide o que é certo ou errado; bom ou ruim. Já o sujeito interno, precipuamente, age de acordo com o mundo externo, dentro da normatividade exigida, seja jurídica ou não. Daí os nossos conflitos internos, no que se refere ao que devemos ou não fazer, tentando compreender o que nos é mais favorável: se é seguir o que o sujeito interno afirma como correto em agir ou, se é o que o indivíduo interno afirma ser mais favorável, mesmo sendo normativamente incorreto. Por isso agimos na ilegalidade em muitas situações, por compreendermos que as ações ilegais nos são aparentemente mais justas e, de fato, podem ser, em muitos casos concretos, mas não corretas juridicamente, no caso de não haver alguma excludência. O cerne da questão é que ações consideradas justas dependem da cosmovisão de cada pessoa e, cada pessoa depende dos meios em que existiu e existe para ter a sua cosmovisão. Logo, uma compreensão de justiça pode ser algo extremamente perverso, dependendo de cada cosmovisão.

Direito e justiça

Em relação às ações, estas sim, são da ceara do Direito. Por isso o Direito é factual, não podendo interferir nas mentes, até por tal coisa ser materialmente impossível. Enquanto houver apenas pensamento, por mais torpe que seja, não cabe ao Direito decidir coisa alguma sobre. Cabe ao Direito o momento da exteriorização dos pensamentos, que são ações geradoras de danos reais ou de grave potencial ofensivo.

Norma alguma tem caráter satisfatório que alcance a todos, mas sim, caráter equilibrador das relações, na tentativa de manter uma relativa paz social. O equilíbrio das relações consiste exatamente em diminuir os conflitos potencialmente possíveis pela absoluta subjetividade das pessoas. O Direito não é justo e jamais o será, enquanto o Ser humano for capaz de produzir indivíduos, ao invés de cópias meramente guiadas ideologicamente.

Se o Direito fosse objetivamente justo, seríamos frutos inertes de uma sociedade controladora ideologicamente, desde a mais tenra idade. No entanto, isso não eliminaria, em curto prazo, os elementos atávicos humanos de reação às dominações, que é o que transformaria a sociedade em uma bomba de grande potencial ofensivo.

São menos destrutivos os conflitos pelas diferenças que por uma imaginária igualdade de pensamento e aceitação normativa, tida como perfeita; justa.

A justiça reside na mente de cada um, provocada pela objetividade da norma, dentro de situações concretas. O Direito, por ser mero instrumento, se buscasse ser justo, seria meramente um reflexo do uso do legislador e/ou aplicador e, não do próprio Direito. Destarte, poderia se tornar inquisidor, pois a sensação de justiça reside nas mais remotas pulsões humanas, relacionadas com a vingança, que é fruto da atávica necessidade de autopreservação e da preservação da própria espécie.

A necessidade de punir severamente ou de eliminar alguém pelas vias da vingança é uma pulsão de preservação; de sobrevivência, na tentativa de eliminar uma potencial ameaça. Esta pulsão se disfarça em racionalidade, podendo criar os mais vis argumentos para a mera eliminação de uma vida ou, fazendo haver elevado sofrimento nela, exatamente para que, pelas vias do sofrimento, a pessoa tida como ameaça, seja provocada a se preservar, alterando o seu comportamento para melhor, pois o comportamento punido seria o provocador do sofrimento e, potencialmente, gerador da morte, que seria prevenida com a mudança de comportamento para aquele buscado com a tortura, coagindo o torturado a ser o que o torturador deseja, normalmente, com senso de justiça. Percebamos que a justiça é comumente vista como algo bom, mesmo que a pessoa que se considera justa não saiba, sequer, definir o que é ser bom e o que é ser ruim.

Enquanto formos Seres humanos tal como somos, o Direito, necessariamente, não deve ser sinônimo de justiça. O Direito deve ser “ajustiçado” (“sem feições de justo”) e até mesmo injusto objetivamente, para que a justiça continue surgindo individualmente. Somente assim o Direito e os seus legisladores e aplicadores poderão permanecer na sua árdua tarefa de regular os conflitos, fazendo-os existir em proporções controláveis. Cada um deve decidir sobre uma aplicação jurídica ser ou não ser justa, sem prejuízo da correta aplicação do Direito.

Esta é a dureza da existência humana. Não existem respostas simplórias para questões complexas. É esta simplória tentativa de buscar respostas simples, principalmente arremessando o dever de resolução em outrem, transformando, em cada geração, o Ser humano em um ser cada vez mais pulsional, enganado pela sua razão, que o faz compreender estar sendo correto e até justo objetivamente. A razão se transforma em racionalização, como mecanismo de defesa. Em muitas situações, estará sendo apenas um déspota esclarecido. Os conflitos são próprios de todas as espécies. Devemos ter regras para amenizá-los, pois eliminá-los é, essencialmente, alterar a dinâmica universal e, isso, é algo que não pode ser nem mesmo vislumbrado.

Existir esperando uma justiça objetiva é existir em uma complexa fuga da realidade.

Em consultório percebo muitos conflitos provenientes de questões de segurança, em diversas cearas existenciais, exatamente pela total entrega das resoluções a aspectos meramente objetivos, na esperança de uma justiça objetiva. A subjetividade nos é fundamental e, temos de aprendermos a equilibrar o objetivo com o subjetivo. É isso que é, em grande parte, viver em harmonia, pois equilibramos, mesmo com conflitos, o mundo mental com o mundo sensível. Se há um caminho para tal coisa, o primeiro passo é compreender que não há vitórias sem perdas; que não há resoluções dotadas apenas de coisas positivas e de caráter eterno. Devemos aprender a escolher entre uma desgraça e outra, quando isso for necessário, não deixando que outras pessoas e até mesmo a fatualidade decidam por nós. A existência não é tão doce, mas pode ser bela, satisfatória e bastante adocicada; com sabor agridoce, se passarmos a compreender que a paz não é a ausência de conflitos, mas sim, o saber lidar com eles, transformando potências ofensivas enormes, em potências cada vez menos danosas.

Conhecimento e autoconhecimento são as ferramentas essenciais para o alcance da paz. O grande cuidado é para que as decisões sejam, necessariamente, empáticas. Sem empatia nos tornamos monstros de nós mesmos e do Todo em que existimos, incluindo aquele que nem mesmo vislumbramos.

Sim! Existir é muito mais complexo do que as historinhas com finais felizes afirmam. No entanto, extremamente satisfatório. Que encontremos as nossas justiças de maneira empática, para nos equilibrarmos com a objetividade das normas e não agredirmos, desnecessária e demasiadamente, a subjetividade dos outros, mesmo que sejamos agredidos, como comumente acontece.

Desejo uma boa guerra existencial a cada Ser humano ou, se escolherem assim, uma bela fuga, para quem negar a capacidade de existir sensível e mentalmente em equilíbrio.

O equilíbrio sempre está pendendo, mas não deixa os lados da balança tocarem a superfície que a sustenta. Por isso, estar em equilíbrio não é estar com as extremidades de uma balança em perfeito alinhamento horizontal, mas sim, em não deixar que as extremidades descansem na superfície que sustenta a balança. Todos nós existimos em “altos e baixos” emocionais, ressalvando os muitos ditos monges, gurus e afins (há ressalvas, sim), que vivem isolados da realidade e, por isso, apresentam um aparente equilíbrio perfeito, pois não têm interferências externas consideravelmente fortes, por passarem a possuir ascensão social, oriunda de uma ficta, mas plena sabedoria, jamais sendo contestados por aqueles que se diminuem a meros mortais, perante Seres humanos iguais que se projetam como superiores. Talvez os ditos sábios sejam a mais perfeita manifestação da justiça objetiva, pois criam séquitos que vivem com os naturais conflitos humanos, mas que fogem de suas realidades usando da pseudo sabedoria objetiva do sábio, que os torna, automaticamente, déspotas, esclarecidos ou não, por aplicarem uma justiça de maneira objetiva, eliminando o pensar, que é subjetivo.

“Namastê” é algo admirável, pois implica em empatia, na busca de equilibrar a subjetividade das pessoas, definido, normalmente como: “a força motriz que habita em um Ser humano, saúda a força motriz que reside em outro”. Junto a isso, está o respeito às ideias, que implica no respeito à individualidade; às compreensões de justiça de cada pessoa. Se usarmos o real “Namastê”, devemos, necessariamente, usarmos o “Jamais-ser”, para não sermos guiados por déspotas, com as suas regras objetivas que se afirmam justas e que, se tornam dominadoras de nossos indivíduos internos. Um real sábio, se é que existe, seja monge, guru ou congênere, expõem ideias para serem analisadas e, não respostas prontas, com características de justas e perfeitas (sem elementos que proporcionem resultados negativos). Por mais “Namastê”, para “Jamais-sermos” feitos de massa de manobra, pelas vias de pseudo justiças objetivas, que sempre serão alheias e, por isso, jamais alcançarão a todos.

Destarte, os legisladores e aplicadores do Direito não devem ser objetivamente justos, para não se tornarem pseudo sábios. Devem ser técnicos e empáticos na criação, interpretação e aplicação das normas. E, devemos ter isso como uma máxima. Ops… fui quase kantiano e injusto usando um imperativo categórico (“objetivo”) ao invés de hipotético (“subjetivo”), mas por não ser um sábio, não preciso ser obedecido, ‘nesta circunstância’. Ops… fui justo comigo e injusto com muitos. Relevemos… afinal, comunicação é tão complexa quanto a existência em si. Eis o fascínio da justiça e da individualidade do pensar!

Autor: Carlos Alexandre Costa Leite

 

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